quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Lembranças, homenagem, saudades.

Muitos sabem que eu tinha uma coluna regular no site Necessaire, há alguns anos. Certa vez escrevi um texto no qual contava um causo ocorrido na juventude da minha avó materna, vivida lá pelas bandas do interior da Paraíba. Na segunda-feira desta semana, dia 08 de outubro, minha avó terminou sua missão aqui entre nós, encarnados, e retornou para a vida espiritual, aos 90 anos de idade. Como homenagem e lembrança da minha Vovis, como eu a chamava, reproduzo, aqui no blog, o texto.

A mentira tem perna curta e mente fértil.

Isso aconteceu em 1945, cerca de 4 meses depois de acabada a Segunda Guerra Mundial. O cenário é o interior da Paraíba, nordeste brasileiro, numa cidade da qual não me lembro o nome e nem sei se aparece no mapa de tão pequena. Acácio havia ido para a Itália, serviu como armeiro no campo de batalha. Foram longos 18 meses longe da família e da noiva, Norma, que pesava meros 42 quilos ao final da famigerada guerra. Quase definha de saudade e de medo de nunca mais ver seu amor.

E eis que a guerra era passado e, agora, tudo era só alegria. Mas nem tudo foram flores cor de rosa naquele reencontro entre Acácio e Norma. Uma comemoração pós-guerra reuniu para um almoço todos os ex-pracinhas paraibanos numa cidade próxima a que moravam os noivos. E Acácio não podia perder tal evento em homenagem aos heróis. Tantos amigos para rever e histórias para contar. No dia da festa, Norma ficou em casa, esperando a volta do seu amado, debruçada na janela, como era de costume as mocinhas daquela época esperarem seus namorados.

Mas quem acabou passando por lá nesta hora foi um amigo da família, o esperto Bacamarte. “Norma, tu não sabes o que aconteceu.” “Diz logo, homem de Deus.” Norma não gostava de surpresas. Não depois do susto da guerra! “Vi Acácio indo pra festa. Sei que tem uma namorada dele lá esperando para encontrá-lo! Combinaram até de tirar as alianças de noivado. A dita cuja também é noiva!” Mas olha que Norma quase cai da janela. Como é possível uma desfeita destas? “Ai, que ele me paga! Deste jeito a coisa não fica.” E lá se foi Bacamarte rindo e pulando com a trela que fizera.

Norma esperou com paciência de fera enjaulada e nada falou para Acácio sobre a história que Bacamarte lhe contara. Dias depois, chegou uma correspondência para Acácio que acabou indo parar nas mãos da noiva desconfiada. Norma abriu o envelope e viu várias fotos do almoço dos ex-pracinhas. Muitos amigos, muita alegria. Nada de namorada misteriosa. Mas a essas alturas, Norma estava com o sangue quente de mulher paraibana. E simplesmente, em sua fúria magoada, rasgou e tacou fogo em todas as fotos!

Mais tarde, naquele dia, Acácio perguntou se havia chegado correspondência para ele. “Chegou sim.” Disse Norma e contou tudo o que fizera com as fotos. Contou a história de Bacamarte e colocou Acácio contra a parede. “Mas tu foste acreditar logo em Bacamarte. Aquele safado só inventa história pra te aperrear!” disse, rindo, Acácio. E os noivos conversaram e se entenderam. Mas Norma não se arrependeu de ter destruído as fotos. Sua raiva naquela hora não podia ter outra válvula de escape. O ciúme foi mais forte. E nós ficamos sem o registro deste momento histórico... Paciência...

Essa história me foi contata pela própria Norma, no domingo em que completou 83 anos de idade. Saudosa do seu Acácio, amado que lhe deu oito filhos e que morreu há quase 30 anos. Fico feliz de ter ouvido esse singelo causo que faz parte de um passado que hoje é o meu presente. Afinal, se eles não tivessem se entendido bem depois da mentira de Bacamarte, eu não estaria aqui para lhes contar a história. Eu, pernambucana, com sangue de paraibana braba, neta de dona Norma e seu Acácio.

Taciana Antunes
23/11/2004

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